Patrícia Adriely
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O velho e bom trem de ferro que – durante anos, décadas e até séculos – foi o principal meio de transporte das riquezas de Minas Gerais, dominando o imaginário de muitos escritores mineiros e até se tornando a inspiração para uma expressão característica no dialeto mineiro – já não é tão valorizado em Minas. E, cada vez mais, perde espaço em termos econômicos e até culturais.
Atualmente, o tamanho da malha ferroviária mineira é de pouco mais de 5 mil km – a segunda maior do Brasil, embora seja pelo menos 50 vezes menor do que a malha rodoviária do estado, que é de 272 mil km.
Comparando com outros países de extensão territorial semelhante à de Minas Gerais, os números também são espantosos. A Alemanha tem mais de 43 mil km de malha ferroviária. O Japão tem 23 mil km.
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Em seu auge, nas décadas de 1950 e 1960, a malha ferroviária mineira atingiu pouco mais de 8 mil km – apesar de ainda pequena, era quase o dobro da extensão atual. O sistema de transporte pertencia ao Governo Federal e era arrendado ao Governo Estadual.
O cenário, que já não era muito favorável, sentiu os impactos quando os trilhos foram privatizados, a partir de 1996. Desde então, os trens de ferro de Minas Gerais está concentrada em poucas mãos.
As ferrovias que atravessam Minas Gerais são operadas por quatro empresas: Vale, MRS Logística, Ferrovia Centro-Atlântica e Valor Logística (VLI). As três últimas têm participação acionária da Vale, uma das maiores mineradoras do mundo.
Neste cenário, é muito limitado a pauta de produtos transportados por ferrovia. De acordo com dados da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), os principais são minério de ferro, carvão mineral, produtos siderúrgicos e soja.
Em função de tudo isso, ao longo das últimas décadas, o estado foi se tornando cada vez mais dependente das rodovias. Um dramático reflexo desta realidade foi sentido em maio/junho de 2018, na greve dos caminhoneiros, que trouxe à tona as limitações do transporte ferroviário no país.
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Além disso, nos últimos anos, diversos trechos foram desativados. As concessionárias alegaram que as áreas eram antieconômicas, extinguindo, inclusive linhas de transporte de passageiros.
O dilema da concessão antecipada
Empresas privadas passaram a ser responsáveis pelas linhas de trem a partir de 1996, quando a União promoveu as concessões do sistema ferroviário brasileiro pelo prazo de 30 anos.
No entanto, embora os contratos de concessão ainda estejam em vigor, o governo Temer criou, em 2016, uma medida provisória, posteriormente convertida em lei, para antecipar a renovação dos contratos por mais 30 anos, sob o argumento de que é preciso acelerar os investimentos na modernização do setor ferroviário no Brasil.
Das cinco malhas em estudo para renovação, três passam por Minas Gerais: a Malha Regional Sudeste, da MRS Logística; a Ferrovia Centro Atlântica (FCA), da VLI; e a Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM), da Vale.
As renovações, que ainda estão em processo de negociação e aprovação, estão gerando polêmica. Para a Associação dos Transportadores Ferroviários, antecipar é a melhor opção para o país.
“Com as concessões antecipadas, as empresas investirão mais de R$ 25 bilhões [no Brasil] nos próximos cinco anos. Esses recursos serão direcionados ao aumento da capacidade de transporte da malha, para a redução de conflitos urbanos e para a superação de gargalos logísticos”, afirma a entidade em nota.
Por outro lado, o diretor da ONG Trem, André Tenuta, acredita que se as novas concessões forem feitas dessa maneira, será um desastre. “Vai se engessar a atual situação, que é péssima, por mais 40 anos. Só depois desse tempo, poderemos voltar a discutir o modelo ferroviário nacional”, afirma.
Minas é o estado que mais perde, uma vez que um dos pontos críticos da medida provisória gerada no governo Temer permite o chamado investimento cruzado, que autoriza a destinação dos recursos obtidos com a renovação das concessões para outros estados.
Neste contexto, os recursos originados da renovação da concessão da Estrada de Ferro Vitória a Minas, da ordem de R$ 4 bilhões, serão investidos em uma ferrovia no Mato Grosso do Sul, o que só beneficia a Vale. Mais uma vez a empresa penaliza Minas Gerais.
A pressa em renovar as concessões é, segundo André Tenuta, explicada pelo interesse das atuais empresas concessionárias em continuar controlando o sistema ferroviário nacional para que atenda apenas aos próprios interesses. “Quem perde é a sociedade”.
Ele acrescenta: “Existe uma série de usos alternativos das linhas ferroviárias que não são, nem de longe, considerados. Nós assistimos essa diminuição de linhas, apesar do potencial delas para o transporte de passageiros, de carga comum, de turistas, transporte regional…”, relata.
Com a falta de atenção do governo estadual para a questão, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) criou, no ano passado, a Comissão Pró-Ferrovias, para acompanhar de perto a situação do transporte ferroviário mineiro e discutir propostas e soluções para melhorá-lo.
“Essa iniciativa é o único alento que a gente tem em relação à retomada ferroviária. O governo de Minas Gerais lavou as mãos em relação às ferrovias há exatos 68 anos, quando vendeu a Rede Mineira de Viação. De lá para cá, tudo o que aconteceu com ferrovias de Minas Gerais foi decidido em Brasília ou nos gabinetes dessas concessionárias. As ferrovias não atendem as cargas mineiras”, ressalta André.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.