Raul Mariano e Patrícia Adriely
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O anunciado corte de 30% no orçamento das instituições de ensino federais vai atingir em cheio a educação superior pública em Minas. Levantamento realizado pelo portal Interesse de Minas aponta que o rombo nas 12 universidades e nos 5 institutos federais do estado soma perdas de cerca de R$ 350 milhões.
O argumento apresentado pelo Ministério da Educação (MEC) é de que as verbas retiradas das universidades serão aplicadas na educação básica e em creches. Para a União, o valor gasto com um aluno de graduação equivale ao custo de 10 crianças na educação infantil. A decisão, no entanto, tem sido alvo de polêmica.
A medida é uma das mais impopulares adotadas pelo governo Bolsonaro em pouco mais de quatro meses de existência. Gerou reação da comunidade acadêmica nos quatro cantos do país, e a rejeição ao ministro da educação Abraham Weintraub – que está há menos de 1 mês no cargo – parece aumentar exponencialmente.
Cortes nas 12 universidades e nos 5 institutos federais de Minas Gerais somam R$ 350 milhões
E não era para menos. A redução dos repasses discricionários – aqueles que não incluem recursos obrigatórios, como o pagamento de salários – vai desequilibrar as finanças e inviabilizar atividades de todas as instituições.
Um baque que vai colocar em xeque o pagamento de despesas básicas como energia elétrica, serviços de limpeza, alimentação de estudantes e, por consequência, comprometer o trabalho dos principais celeiros de pesquisa científica do país.
Na UFMG, maior federal de Minas, o corte será de pelo menos R$ 64 milhões – cerca de um quarto da perda acumulada entre as universidades do estado. O reflexo, na avaliação de professores, alunos e pesquisadores, será catastrófico.
Em entrevista durante o lançamento da Frente Parlamentar em Defesa da Ciência, Pesquisa e Tecnologia, na terça-feira (07/05), na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), a reitora da instituição, Sandra Goulart Almeida, relatou preocupação com a situação e condenou os cortes, confira.
A atividade na ALMG finalizou uma série de ações da Marcha pela Ciência, que contou com a participação da comunidade acadêmica e da sociedade civil, entre eles, centenas de estudantes universitários e secundaristas, pesquisadores, reitores e ex-reitores de instituições públicas.
ORÇAMENTO ENXUTO
Para economizar, corte até no papel toalha do banheiro
Com o bloqueio realizado pelo MEC, as universidades mineiras já estão se desdobrando para identificar o que pode ficar de fora do orçamento. Os gastos fixos, como energia elétrica e água, são mais difíceis de limitar. Com isso, as instituições estão buscando alternativas que podem afetar o espaço e a qualidade do ensino.
A Universidade Federal de Lavras (UFLA) relata que suspendeu todos os gastos já em curso e que podem ser adiados, como compras, empenhos e viagens a serviço.
A administração da Universidade Federal de Alfenas (Unifal) chegou ao extremo de não disponibilizar papel toalha nos banheiros e não servir café aos servidores. A instituição também planeja uma redução nas bolsas de Iniciação Científica, de monitoria e de extensão no 2º semestre, que são de R$ 400,00 e passarão a ser de R$ 300,00.
A Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) alerta que a política de assistência estudantil pode ficar comprometida, “provocando a diminuição do número de alunos na instituição”.
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Nos Institutos Federais (IF), a situação afeta também estudantes secundaristas, pois esses locais oferecem ensino médio e técnico. A gestão do IFMG informou que ainda está avaliando até quando terá condições de manter o funcionamento básico nos 18 campi espalhados pelo estado.
Já o IF do Sul de Minas ressalta que não será possível arcar integralmente com as despesas de alimentação dos estudantes, a manutenção dos alojamentos em que moram e a compra de ração para os animais das escolas-fazenda.
Atendendo mais de 25 mil alunos do norte e nordeste de Minas e Vales do Jequitinhonha e Mucuri, o IFNMG lembra que a instituição atua numa região que esteve, por muitos anos, carente de oportunidades de estudo e de formação profissional. O Instituto diz que “continua empenhado em sua missão de contribuir para a transformação social por meio de uma educação pública, gratuita e de qualidade”.
Cortes somam perdas de R$ 350 milhões
Corte (%) | Valores (R$) | |
Universidades Federais | ||
UFMG | 30% | 64 milhões |
Juiz de Fora (UFJF) | 30% | 23 milhões |
Itajubá (Unifei) | 30% | 10,8 milhões |
Alfenas (Unifal) | 30% | 11 milhões |
Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) | 30% | 13,5 milhões |
Viçosa (UFV) | 30% | 30,7 milhões |
Uberlândia (UFU) | 30% | 42,8 milhões |
Triângulo Mineiro (UFTM) | 30% | 15 milhões |
São João del-Rei (UFSJ) | 32% | 17,4 milhões |
Ouro Preto (UFOP) | 30% | 20,8 milhões |
Lavras (UFLA) | 26% | 16,2 milhões |
Institutos Federais (IF) | ||
IFMG | 32% | 20,3 milhões |
Sul de Minas | 39,86% | 16 milhões |
Sudeste de Minas | 36,6% | 12,2 milhões |
Norte de Minas Gerais | 30% | 15 milhões |
Triângulo Mineiro | Até 37% | 8,7 milhões |
Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet-MG) | 35,4% | 16,9 milhões |
Fonte: Assessorias de Comunicação das instituições
Para instituições, bloqueios violam princípios básicos
As instituições condenaram o corte repentino. Em nota, a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) declarou que “o MEC, por seu representante maior, utiliza-se de argumentos ideológicos para restringir as liberdades, […] alimentando o ódio e um clima de mobilização para seu próprio eleitorado, como se em campanha estivéssemos”.
Para a Universidade Federal de São João Del-Rei (UFSJ), a ausência de clareza nos critérios para realização do corte orçamentário fere princípios básicos, entre eles, o direito de cátedra estabelecido na Constituição e a liberdade do pensamento.
Bloqueio ocorre após quatro meses do início da execução do orçamento aprovado em 2018
Segundo o Instituto Federal do Triângulo Mineiro (IFTM), a atitude do Governo Federal fere a autonomia do Congresso Nacional, o responsável por aprovar o orçamento da Rede Federal de Ensino.
Outro aspecto apontado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) é que o bloqueio ocorre após quatro meses do início de sua execução. Isso significa que a instituição terá que reduzir ainda mais as despesas e se ajustar ao novo orçamento disponível.
ANÁLISE
Ameaça ao pensamento crítico
A retirada de recursos das universidades públicas é vista por pesquisadores como uma ameaça direta à formação do pensamento crítico no país. Professor do curso de psicologia e coordenador do programa Polos de Cidadania da UFMG, André Luiz Freitas Dias afirma que o conhecimento produzido no ambiente acadêmico é, inevitavelmente, combustível para resistência a governantes autoritários.
“As universidades são espaços necessariamente de crítica e reflexão, onde os ‘mitos’ são colocados em xeque e sempre problematizados”, diz. “Ou seja, são espaços de ameaça para a manutenção desse projeto político que, por ora, vem sendo implementado”, garante o professor.
“As universidades são espaços onde os ‘mitos’ são colocados em xeque”
André Luiz Freitas Dias, professor da UFMG
No entanto, as perdas imediatas, relata Dias, já são sentidas na pele por quem atua dentro da UFMG. Ele explica que as atividades de extensão e pesquisa, sobretudo em territórios de conflito – como cidades mineradoras – e nas comunidades vulnerabilizadas – como as populações de rua – deverão ser paralisadas.
“Nos últimos anos, houve um movimento de inclusão de pessoas na universidade, sobretudo através das cotas raciais, e agora essas mesmas pessoas estão sendo expulsas porque não vão conseguir se manter nos estudos”, analisa.
MANIFESTAÇÃO
Categoria prepara grande ato de resistência
O primeiro grande de ato de resistência anunciado contra os cortes será a Greve Nacional da Educação, marcada para o próximo dia 15 de maio, em todo o país. A paralisação visa fortalecer a resistência contra a postura agressiva que o governo vem tendo contra professores desde o início do mandato.
Dentre as polêmicas colocadas em pauta na manifestação, estão o incentivo do governo para que alunos filmem professores dentro de salas de aula, no intuito de denunciar uma suposta doutrinação ideológica.
Para docentes, o momento demanda união das categorias para que os avanços conquistados nas últimas décadas a duras penas não sejam jogados por terra em questão de meses.
Professor da UFMG e coordenador do projeto “Pensar a Educação, Pensar o Brasil”, Luciano Mendes Faria Filho ressalta que a adesão ao ato do próximo dia 15 é de extrema importância para evidenciar o quanto os cortes anunciados pelo governo serão prejudiciais ao país.
“O ensino superior público tem uma posição estratégica em qualquer projeto de país”
Luciano Mendes Faria Filho, professor da UFMG
Ele afirma que o argumento de que haverá uma transferência de recursos do ensino superior para a educação básica é “totalmente falacioso”. “Ou a gente produz ciência e tecnologia ou a gente vai ficar fadado a vender matéria-prima para o mundo”, afirma o professor.
O grande desafio para a categoria, analisa Luciano, é conseguir unir trabalhadores da educação infantil e da pós-graduação para fazer um contraponto ao Palácio do Planalto. “O ensino superior público tem uma posição estratégica em qualquer projeto de país e de desenvolvimento nacional. Não podemos aceitar essa barbaridade”, opina.
Diálogo é aposta para reverter situação
As universidades e Institutos estão buscando dialogar com o MEC e com o Congresso Nacional para buscar outras soluções e reverter a situação.
Segundo as instituições, as conversas estão sendo feitas juntamente com a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) e com o Conselho das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif).
“As Universidades Federais, como patrimônio nacional, são imprescindíveis para a construção de um país mais desenvolvido, mais justo e equânime […]. Não se constrói um país sem investimento contínuo e sustentável em educação, cultura, ciência e tecnologia”, ressaltou a UFMG, em nota oficial.
OUTRO LADO
Veja o posicionamento do MEC
Procurado pelo Interesse de Minas, o MEC afirmou, por nota, que do orçamento anual de despesas da Educação – cerca de R$ 149 bilhões de reais – R$ 24,6 bilhões são despesas não obrigatórias, dos quais R$ 5,8 bilhões foram contingenciados por Decreto.
“O bloqueio decorre da necessidade de o Governo Federal se adequar ao disposto na LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal), meta de resultado primário e teto de gastos”, justificou a pasta.
O órgão salientou, ainda, que “o critério utilizado para o bloqueio de dotação orçamentária foi operacional, técnico e isonômico para todas as universidades e institutos”.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.