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Desde que as cotas raciais começaram a ganhar força no país, o número de estudantes negros que ingressaram nas universidades públicas em Minas aumentou consideravelmente. Na UFMG, maior universidade federal do estado, a presença de pretos e pardos entre os graduandos praticamente dobrou em uma década, saltando de 26,7%, em 2008, para 49,3% em 2018.
Apesar do avanço muito expressivo, houve, no entanto, episódios de fraudes em que estudantes brancos – mas autodeclarados negros – foram admitidos na instituição por meio da ação afirmativa. O escândalo chegou ao ápice em setembro de 2017, quando um cotista loiro e de olhos azuis que cursava medicina foi denunciado por burlar o mecanismo.
Presença de graduandos pretos e pardos na UFMG saltou de 26% para 49% em uma década
A solução encontrada pela UFMG – e já colocada em prática – para coibir tais tentativas foi a criação das chamadas bancas de heteroidentificação racial: grupo que analisa as características físicas dos candidatos e atua de forma complementar à autodeclaração.
Trata-se de uma iniciativa inovadora da instituição mineira e inédita entre as universidades federais de todo o país. A medida está tendo um duplo efeito: por um lado, serviu para fazer justiça, eliminando a possibilidade de oportunistas se apropriarem das vagas, mas, por outro, criou debates acalorados entre os próprios estudantes.
Na prática, o candidato convocado entra em uma sala para se apresentar à banca, que é formada por professores, funcionários e alunos da universidade. O grupo avalia objetivamente os critérios fenotípicos como a cor da pele, a textura do cabelo, a formação do nariz e da boca de cada postulante à vaga.
Em seguida, cada membro da comissão registra o voto em um sistema informatizado. A avaliação é sigilosa. Os dados são computados pela instituição que, na data anunciada, divulga os nomes dos candidatos aceitos.
De acordo com a Comissão Permanente de Ações Afirmativas e Inclusão da UFMG, uma abordagem social, que leva em conta fatores que vão além da cor do candidato, é realizada para garantir que as reservas sejam ocupadas pelo público específico a quem as cotas se destinam.
Na primeira experiência realizada pela UFMG nos campi de Belo Horizonte e Montes Claros, no Norte de Minas, mais de um terço dos concorrentes foram barrados pela banca. Ao todo, dos 885 cotistas avaliados, 346 não conseguiram o aval para ingressar na universidade por meio do benefício. Ou seja, a metodologia eliminou 39% dos que tentaram colocar em prática o procedimento.
Iniciativa da UFMG barrou 39% dos candidatos que se autodeclararam negros
Quem é reprovado na banca tem a possibilidade de entrar com recurso para que outra avaliação seja feita. Nesse caso, uma nova comissão com outros membros é formada e decide definitivamente se o aluno terá ou não o direito à cota.
Com o indeferimento das matrículas, são convocados os estudantes da lista de espera do Sistema de Seleção Unificada (Sisu). O consenso, no entanto, está longe de existir. Até o momento, pelo menos 270 recursos foram impetrados na UFMG por alunos que se sentiram injustiçados com o método adotado pela instituição.
Na avaliação do presidente da União de Negros pela Igualdade (Unegro), Alexandre Braga, o resultado da implantação da banca de heteroidentificação dentro da UFMG é “amplamente positivo”, apesar da discrepância de opiniões.
Ele garante que o instrumento veio para disciplinar o processo de seleção dos cotistas, uma vez que a etapa de autodeclaração, sozinha, abria margem para interpretações subjetivas e não permitia que as fraudes fossem combatidas.
“No final das contas, há menos de 10 casos que foram judicializados em relação à UFMG”, afirma. “Ou seja, a grande maioria dos alunos e pais acatou o resultado das bancas porque compreendeu a finalidade do mecanismo”, completa.
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