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Séculos depois de consolidar sua vocação histórica para a mineração, o estado começa a descobrir – e a sofrer na carne – os efeitos devastadores dessa opção. Minas vive hoje entre os ganhos expressivos gerados pelo segmento (emprego, renda, arrecadação tributária, exportações etc.) e as perdas irreparáveis de vida, a devastação ambiental e o terror diuturno para milhares de pessoas que vivem no entorno das barragens.
Em sua segunda reportagem especial sobre a tragédia de Brumadinho, o portal Interesse de Minas conversou com historiadores e economistas sobre esse preocupante contexto e revela como esses cenários – histórico e conjuntural – são extremamente negativos para o estado.
Quando os primeiros aventureiros chegaram à região de Minas Gerais em busca de ouro, ainda no século XVII, provavelmente eles nem faziam ideia de que estavam inaugurando uma indústria que se tornaria o pilar principal da economia da região (que seria o futuro estado de Minas Gerais). E menos ainda que essa atividade, considerada por muito tempo uma vocação da região, se tornaria, anos mais tarde, a responsável por tragédias ambientais e humanas sem precedentes na história do Brasil.
Nos 300 anos em que a exploração mineral tem sido um dos grandes motores do crescimento em Minas, muito se ganhou e muito se perdeu. O fato inegável é: para o bem e para o mal, a indústria extrativa continua tendo grande peso na cadeia produtiva de Minas.
A indústria extrativa responde por cerca de 25% da produção industrial de Minas e por 2,1% do PIB mineiro
Sozinha, ela responde por um quarto da produção industrial do estado e por 2,1% do PIB mineiro, segundo levantamento da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg).
Para se ter uma ideia da importância dessa atividade, a entidade estima que, para cada R$ 100 milhões a menos de receita do setor, há perdas adicionais de R$ 25 milhões em outros segmentos. Um sinal claro de que o declínio iminente da atividade deverá provocar contração no PIB estadual em 2019.
Nesse contexto, a paralisação de parte das operações da Vale após o trágico episódio com a barragem da Mina do Feijão, em Brumadinho, pode trazer perdas desastrosas para a economia mineira, gerando impactos equivalentes a até 4,2% do PIB, segundo projeções da Fiemg.
Os problemas não param por aí. Estudo realizado no início de fevereiro pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar), da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG, revela que as perdas no curto prazo já são drásticas.
Apenas com a arrecadação de impostos, a queda pode chegar a R$ 575 milhões, além da extinção imediata de pelo menos 15 mil postos de trabalho. Tudo isso em regiões onde a economia local gira em torno da renda de funcionários de companhias do setor mineral ou de empresas ligadas a elas.
Nas cidades mineradoras, onde a arrecadação com a atividade representa quase a totalidade do orçamento municipal, o cenário se torna ainda mais desolador. Itabirito, Sarzedo, Ouro Preto, Nova Lima, Congonhas e Brumadinho, por exemplo, já começam a sentir os primeiros efeitos do problema.
Esses municípios também são os fiéis da balança no cenário estadual, uma vez que concentram a produção bruta de minério de ferro, carro-chefe do setor. De acordo com a Agência Nacional de Mineração (ANM), nada menos que 595 milhões de toneladas dessa commodity foi produzida no país em 2016, sendo 385 milhões – mais de 60% do total – em Minas Gerais.
Se, por um lado, a evolução tecnológica ampliou exponencialmente a capacidade de extração de diversos tipos de metais – transformando as empresas em gigantes do setor -, por outro, os mesmos avanços não impediram a destruição permanente de mananciais e florestas, nem tampouco impediram acidentes do trabalho jamais vistos em outros segmentos do setor produtivo.
O dilema não é recente, mas volta ao debate público diante do risco do rompimento de novas barragens em território mineiro. A simples possibilidade de que tragédias semelhantes às de Mariana e Brumadinho se repitam suscita questões sobre a forma como a atividade vem sendo desenvolvida e, principalmente, fiscalizada.
Um passeio pela história de Minas Gerais pode ser o ponto de partida mais assertivo para entender como tudo começou e evoluiu para o estágio atual. Afinal, a exploração do solo em busca de minerais valiosos nem sempre foi o que é.
“É interessante começar pela distinção entre a mineração histórica, artesanal, do ouro de aluvião, e essa atividade industrial, do minério de ferro, que cresceu a partir do século XIX”, explica o professor dos departamentos de História e Relações Internacionais do UNI-BH, Raul Lanari.
Ele relata que a usina Patriótica, erguida na entrada do município de Belo Vale, e a Wigg, construída em Miguel Burnier, distrito de Ouro Preto, receberam investimento inglês e foram duas das primeiras unidades que representaram essa mudança de estágio. Daí em diante, a exploração mineral começa a se tornar uma das frentes mais expressivas na economia de Minas.
Mas é no início do século XX, com a consolidação das técnicas de metalurgia e siderurgia, que a mineração passa a ganhar ainda mais destaque. Nascem empresas importantes como a Itabira Iron Ore, no ano de 1911, que mais tarde se transformaria na Companhia Vale do Rio Doce, hoje rebatizada de Vale.
Na chamada Era Vargas, a política mineradora se torna mais robusta e culmina na fundação da Companhia Siderúrgica Nacional. É a partir daí que a mineração passa a ser tratada como sinônimo de desenvolvimento. “O discurso surgido a partir dos anos de 1940 traz a ideia de que o desenvolvimento é necessariamente igual à industrialização”, explica Raul Lanari.
O historiador destaca ainda que, entre a década de 1970 e a realização da Eco-92, no Rio de Janeiro, há um predomínio absoluto da ideia de que é preciso minerar sem debates efetivos sobre as questões ambientais. “É surfando nessa onda que empresas como Samarco, AngloGold e o Grupo X, de Eike Batista, expandem suas atividades no país”, completa Lanari.
Compreender o significado da indústria mineral para Minas não é tarefa complicada. A formação geológica do estado, rica em metais, sobretudo no chamado quadrilátero ferrífero, permitiu que, de forma natural, a atividade se perpetuasse.
Da mesma maneira, é fácil entender porque a economia mineira, quase três séculos depois, ainda é tão dependente do segmento. Números do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) apontam que a Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM) saltou de R$ 448 milhões, em 2008, para R$ 1,3 bilhão em 2018. Um incremento de 192% no período.
Nesse período, as cidades que sediaram as grandes mineradoras passaram a ter o recurso oriundo da exploração como uma das principais – senão a maior – fontes de arrecadação. Um privilégio nos momentos de bonança, mas um pesadelo no cenário atual.
Por outro lado, por ser cotado em dólar, o minério de ferro está sujeito às oscilações do mercado internacional. A queda de preço da commodity na última década escancara a face problemática do segmento. O valor médio da tonelada, em 2008, era de US$ 120, e no ano passado, despencou para US$ 69, conforme levantamentos do Ibram. Uma prova de que a atividade, apesar de ainda trazer divisas para o estado e as cidades mineradoras, pode estar se tornando menos rentável a cada ano.
(Preço médio da tonelada a cada ano em US$)
O Ibram, no entanto, descarta a possibilidade de declínio do segmento, em que pesem os desastres recentes e o mau desempenho comercial do produto nos últimos anos. “A mineração não poderá ser inviabilizada no Brasil ou em outro local do planeta, pois é importante para o desenvolvimento da sociedade, exerce papel crucial na geração de divisas para o país”, informou o Instituto, por nota.
Com base dos números do Ibram, é possível compreender com clareza os dilemas de Minas com a mineração, pois são vários os aspectos envolvidos.
O problema, porém, parece ser mais grave se forem levados em consideração dois aspectos essenciais: o esgotamento das reservas minerais e a inexistência de outras opções de atividades econômicas que tenham a mesma pujança no estado.
“Nós tivemos várias oportunidades de diversificar nossa economia desde a década de 1960, quando foi elaborado o primeiro Diagnóstico da Economia Mineira”, afirma Paulo Bretas, presidente do Conselho Regional de Economia (Corecon-MG), referindo-se ao estudo realizado, à época, pelo Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG).
Desde essa época, explica Bretas, já havia uma síntese clara dos problemas que o estado enfrentaria se continuasse apostando todas as fichas em uma única atividade. No entanto, nada foi feito. “Ainda tivemos chances com a chegada da Fiat, o complexo metal-mecânico, as indústrias químicas e o crescimento da produção agropecuária”, relembra o economista.
As avaliações preliminares sobre os impactos econômicos do rompimento da barragem de Brumadinho para a economia de Minas Gerais demonstram a fortíssima dependência da economia do estado do segmento de extração mineral.
De acordo com projeções da equipe econômica da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), a tragédia de Brumadinho já fez um rombo de mais de 50% na estimativa de crescimento da economia em 2019. No início do ano, previa-se alta de 3,3% no PIB de Minas, contra nova estimativa de 1,5% para 2019 após o rompimento. Em outras palavras, o “estrago” será de mais da metade (55%) da estimativa de alta do PIB mineiro para 2019.
A tragédia de Brumadinho reduz a estimativa de crescimento do PIB mineiro para 1,5% em 2019, ante uma previsão de crescimento de 3,3%
O presidente da Fiemg, Flávio Roscoe, afirmou que a instituição está muito preocupada com os impactos econômicos e as consequências decorrentes do rompimento, pois “a vida de milhões de mineiros será diretamente afetada”. Ainda segundo ele, “uma vez identificada a causa, é preciso trabalhar para que ela seja mitigada, para que acidentes como esse nunca mais ocorram”. Ele ressalta que é preciso agir para evitar que o impacto no crescimento não seja ainda maior que a previsão de queda no desempenho do PIB mineiro em 2019.
De acordo com Flávio, a Fiemg vem atuando de forma decisiva desde o primeiro dia da tragédia de Brumadinho. A entidade apoiou diversas ações, de maneira enfática e em conjunto com diversas empresas de Minas Gerais, disponibilizando desde helicópteros até caminhões frigoríficos, assim como bens de primeira necessidade.
Em várias entrevistas, o presidente da Federação destacou que o Sistema FIEMG mobilizou uma grande equipe de assistentes sociais, médicos e outros profissionais habilitados para o atendimento a várias famílias. “Empresas e sindicatos enviaram recursos humanos e materiais, que estão sendo fundamentais nos trabalhos de resgate”. Ainda segundo ele, as doações de entidades como Usiminas, MRV, CCPR Itambé, Anglo American, CSN, CNH, Energisa, Gerdau, Nippon, Tenaris/Technit, FIAT, SINDUSFARQ, Petrobras, Tropeira, ALACERO, ALCOA, FCA, AeC e Mercedes Benz são também de grande valor nesse momento.
Roscoe ressaltou também que a Fiemg pretende discutir com os setores de engenharia e de mineração técnicas eficientes que possam impedir que tragédias como a de Brumadinho voltem a acontecer. A entidade vai propor um estudo aprofundado para analisar quais métodos de construção de barragens de rejeitos são mais eficazes e seguros e identificar quais barragens têm maiores riscos, e, dessa forma, adotar as medidas preventivas necessárias.
“Temos que trabalhar para que haja segurança com as barragens já existentes, mas também preservar a atividade econômica, que é vital para todos nós, afinal, sem a mineração, não existe economia como nós conhecemos. Para isso, a Fiemg está em busca de parceiros, como empresas do setor de mineração, entidades de engenharia, o governo do estado e os órgãos ambientais para execução do estudo”, concluiu.
Economistas ouvidos pelo portal Interesse de Minas ressaltam que os impactos negativos resultantes da tragédia de Brumadinho, causada pelo rompimento de barragem da Vale, gera efeitos negativos em cascata para a economia de Minas, resultando em queda expressiva do PIB do estado.
Na avaliação da pesquisadora e professora do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Universidade Federal de Minas Gerais (Cedeplar/UFMG), Débora Freire, o rompimento da barragem de Brumadinho deverá ter um forte impacto na economia de Minas, com uma redução de 0,5% do PIB do estado nos primeiros anos – percentual que tende a se elevar com o passar do tempo.
“Nós usamos um modelo de simulação para projetar esse impacto da queda da mineração no PIB mineiro. Há reflexos tanto de curto prazo (2 a 3 anos), quanto de longo prazo, que já implicam mudanças nos planos de investimento das empresas”, ressalta a economista.
Em suma, explica, o PIB cai porque a Vale paralisa as atividades nos municípios em que atua e, com isso, ocorre uma paralisação da produção e das exportações. Como consequência, há um efeito com cascata, pois uma série de outros setores são afetados.
“Haverá, portanto, uma queda direta no nível de emprego nos municípios que sediam a empresa. A partir daí, ocorre reduções na contratação de novos serviços e na compra de equipamentos, por exemplo. E os efeitos negativos vão se encadeando: menos produção, menos emprego e, por consequência, menos consumo. Até o comércio é atingido. Tudo isso fica muito evidente naqueles municípios, mas se espraia para o estado como um todo”, explica.
Indagada sobre o que pode ser feito para se mitigar esses efeitos, ela pondera: “Buscar recursos junto ao governo federal nesse momento também é complexo, uma vez que o país passa por um ajuste fiscal. Sugerimos, portanto, que o estado busque formas de garantir que parte da CFEM (Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais) seja utilizada para fomentar a diversificação da economia. Isso já acontece em vários outros países onde a mineração é forte, mas é muito pouco explorado no Brasil”.
Por sua vez, o professor de economia da PUC Minas, Flávius Lana, acredita que a saída passa por uma articulação política muito bem costurada, com a participação do governo do estado, uma vez que Minas está perdendo uma de suas principais fontes de recursos. Mas ele avalia que a expectativa para a economia não é mesmo boa.
O economista também avalia que os impactos serão fortes. “O declínio da mineração no estado vai impactar com certeza nosso PIB. É difícil prever o quanto, mas os reflexos são inevitáveis. Principalmente porque somos muito dependentes desse retorno minerador. Agora, a forma como a empresa atuou nos episódios recentes, inclusive no de Mariana, mostrar que ela perdeu a ligação com o Estado Nacional”, pondera. Para Flávius, a possibilidade de reestatizar a companhia poderia até ser uma forma de amenizar o rombo que está por vir, “mas isso, com toda certeza, não é cogitado por um governo neoliberal como o atual”, conclui.
Por vários anos, o fotojornalista Marcelo Prates registrou os cenários de exploração mineral e de devastação ambiental das regiões de MG com minas da Vale. Confira algumas de suas fotos.
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